Memórias Póstumas de Brás-CubasCAPÍTULO 31 - A Borboleta Preta
No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera e na dignidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai.
Era negra como a noite; e o gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar escarninho, uma espécie de ironia mefistofélica, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
- Também por que diabo não era ela azul? disse eu comigo.
E esta reflexão, - uma das mais profundas que se tem feito desde a invenção das borboletas, - me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: "Este é provavelmente o inventor das borboletas."
A idéia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e ela beijou-me na testa.
Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia.
Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos.
Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas...
Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.
“(...) por mais que alguns críticos ou manuais didáticos insistam em simplesmente rotular a obra de Machado de Assis Realista, é importante ressaltar que essa classificação, por si só, não consegue abarcar a riqueza temática e estética presente em seus contos e romances.”
No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior do que ela. Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera e na dignidade que, apesar dele, soube conservar. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai.
Era negra como a noite; e o gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar escarninho, uma espécie de ironia mefistofélica, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
- Também por que diabo não era ela azul? disse eu comigo.
E esta reflexão, - uma das mais profundas que se tem feito desde a invenção das borboletas, - me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: "Este é provavelmente o inventor das borboletas."
A idéia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e ela beijou-me na testa.
Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia.
Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos.
Não era. Esta última idéia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí vinham já as próvidas formigas...
Não, volto à primeira idéia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.
“(...) por mais que alguns críticos ou manuais didáticos insistam em simplesmente rotular a obra de Machado de Assis Realista, é importante ressaltar que essa classificação, por si só, não consegue abarcar a riqueza temática e estética presente em seus contos e romances.”
7 comentários:
De acordo com os estudos sobre Machado de Assis, onde ele escrevia para interagir com o leitor, fazer o leitor pensar, dialogar. Podemos analisar isso nesse capítulo 31 onde ele narra o episódio da borboleta preta.
Quando ela entra em seu quarto e ele diz “Lembrou-me o caso da véspera, e ri-me; entrei logo a pensar na filha de Dona Eusébia, no susto que tivera e na dignidade que, apesar dele, soube conservar.” Podemos associar que o caso da véspera foi quando ele tentava aproveitar-se de Eugênia, uma moça bonita, mas manca e pobre, fazendo uma referência irônica e cruel como a borboleta preta, “Também por que diabo não era ela azul?”. Eugênia é um ser fraco e deficiente, o que lhe possibilita, enquanto ser forte e saudável destruí-la também.
Grupo:Aurea, Rodrigo, Scarlet e Vivian
Machado nesse capitulo postado faz uma narrativa de uma coisa aparentemente sem relevância. Mas se analisado mais a fundo podemos perceber que fica subentendido o seguinte: O ser humano acha que se é superior a tudo e que por isso temos direito de acabar com vidas ou de fazer o que quisermos. "Pois um golpe de toalha rematou a aventura(..)Vejam como é bom ser superior às borboletas!"
Sendo essa uma das caracteristicas dos textos de Machado de Assis: a analise da mente humana.
Grupo: Ananda, Bianca, Mayara, Gabriella e Lohaina
No capítulo 31, A Borboleta Preta, é fácil perceber uma característica do narrador, o desmascaramento. Entre a opinião pública e a vontade do personagem, forma-se uma zona que o narrador tem que esclarecer. Um relativismo moral e uma certa noção da gratuidade e do caráter absurdo de certos gestos humanos.
Por exemplo: a borboleta invade o quarto de Brás Cubas e este, sem nenhuma razão, a abate com uma toalha. Depois, ele tenta justificar a sua ação dando-lhe uma forma aceitável: “Também por que diabo não era ela azul?” Falsas racionalizações como esta são emitidas o tempo inteiro pelo narrador.
Grupo: Guilherme, Jonas e Marcelo
chopavni@gmail.comNeste capítulo observamos uma superstição em relação às borboletas pretas, como sinal de mau augúrio. Essa mesma crença foi apresentada no capítulo anterior pela personagem Dona Eusébia, que demonstrou muito medo ao ver um inseto desses. Brás Cubas disse que não passava de crenças, porém ao ver uma borboleta preta em sua casa, abateu-a com uma toalha, apresentando certa ironia e mostrando que não é possível confiar nas conclusões e declarações do personagem. Existe também o momento do capítulo em que ele arrepende-se por ter matado a borboleta, pensa que a borboleta o considerou superior e essa superioridade a surpreendeu, o que demonstra a tendência do personagem de julgar-se superior e mostra como agem estes seres para com os seus "inferiores”. No decorrer da história, o narrador procura mostrar em detalhes as características físicas e psicológicas, mas sem fugir do seu mundo real, não se importando porém com a ordem cronológica dos fatos. Machado de Assis foi um dos primeiros escritores a incorporar características realistas em suas obras. Além de ser um dos pioneiros, ele conseguiu retratar a mente humana e a sociedade de modo a elevar a própria literatura a novos patamares de análise e retratação da sociedade brasileira.
Grupo:
Gustavo
Marcio
Tiago
O capitulo 31 do livro “Memórias Póstumas de Brás-Cubas” instaura-se um terrível relativismo moral e emerge com freqüência certa noção da gratuidade e mesmo do caráter absurdo de certos gestos humanos, no capitulo 31 “A borboleta preta” revela esta dimensão inexplicável. A borboleta invade o quarto de Brás Cubase o mesmo a mata com uma toalha; mais depois ele tenta justificar o ato que cometera, dando-lhe uma forma socialmente aceitável “Também por que diabo não era ela azul?” Falsas racionalizações como esta são emitidas o tempo inteiro pelo narrador.
Grupo: Eduardo, Júlia, Paulo Victor e Raquel.
No capítulo 31, “A Borboleta Preta”, é possível perceber a relação entre um acontecimento ao acaso e a vida de Brás Cubas.
Sendo a borboleta, que entra em seu quarto, preta, Brás Cubas a considera um ser fraco e inferior, e já que ele é um ser superior a ela, ele se sente no direito de fazer com ela o que bem entender. Essa tese é exemplificada pelo trecho: “Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos.”.
Podemos relacionar isso com o fato de que Brás Cubas, neste tempo, se relacionava com Eugênia, e tentava se aproveitar dela. Ele se sentia no direito de fazer isso, pois ela era uma moça pobre e manca, inferior a ele, assim como a borboleta.
Faz-se, então a comparação da borboleta preta, um ser inferior, fraco, à Eugênia, também inferior por ser pobre e manca. Dessa forma se faz a ironia presente nos textos de Machado de Assis, relacionando uma história que aparentemente não tem a ver com o contexto, mas com uma análise mais a fundo ela se encaixa perfeitamente.
Grupo: Bruna, Estela, Lorraine e Maressa
Nesse capítulo, o autor, faz ironia com a borboleta preta (que aparece no capítulo anterior), no qual entra no quarto, "comparando-a" à moça elegante, e por outro lado pobre e fraca, Eugênia. Colocando-se superior, Machado de Assis, põe a moça como um ser inferior, quanto a borboleta.
..."“T’sconjuro! ...Sai, diabo! ...Virgem Nossa Senhora!...”.
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